sábado, 26 de julho de 2008

Coragem X Medo

Agora nosso roteiro é apenas um risco num mapa que me custou 10 reais no Brás, comprei no começo do ano passado, época que já fazia um ano ou mais que planejávamos essa viagem.
Paulo e eu abrimos e o colamos com fita na parede do meu quarto pra finalizarmos o trajeto.
Foi rápido, já fazia dois anos que estudávamos toda a teia rodoviária brasileira, sabíamos o que queríamos.
E numa dessas noites recentes ele estava lá, e ainda está. Ocupando quase toda a parede, bem de frente com minha cama.
Era ao mesmo tempo desafiador e excitante ficar olhando pra ele. E antes de dormir o encarei.
O traçado de canetinha saindo de São Paulo, descendo até Curitiba, Foz, subindo pra Cuiabá, Porto velho, cruzando a Amazônia, os tracejado pelo rio amazonas nos lembrando dos cinco dias de balsa que enfrentaremos, a passada em são Luís, capital do reggae, tão desejada pelo Paulo, em seguida fortaleza e a descida pela costa brasileira pra fechar com chave de ouro.
Mas antes mesmo de minha viagem “virtual” chegar pelas bandas do nordeste, meu olho parou hesitante num trecho que realmente nos tira o sono.
Quase 3 anos estudando essa viagem, nos dá o conhecimento, pelo menos em números e relatos, de que o trecho de porto velho à Manaus seria pra lampião trocar a sandália de pau, por botas de couro. Sendo sincero, quando realmente me imaginei nesse ponto, daí senti medo.
Não era uma mistura de ansiedade, angústia, saudade, felicidade, realização, que é o que sinto quando olho no calendário e vejo o pouco tempo que falta, não era isso. Dessa vez era medo mesmo, no seu estado mais genuíno.
Talvez o mesmo medo que minha namorada sentiu na noite em que caiu a ficha e ela trocou a noite de sono, por uma insônia de choro. Aquele medo que minha mãe nem precisa dizer que sente, ta na cara dela, e mesmo sabendo que com uma palavra pode me impedir, padece por saber o quanto quero isso.
Exatamente o mesmo medo que o Paulo assumiu sentir ontem pelo celular, sugerindo uma mudança de roteiro.
E hoje, a uma semana de partirmos, todos os sentimentos possíveis estão se embrulhando no meu estômago.
Não falo só por mim, tenho certeza de que o mesmo está acontecendo com o Paulo. Apetite diminuído, intestino desregulado, já o sono não, devido a correria pra arrumar as coisas, a rotina de acordar cedo e dormir tarde todos os dias, inclusive aos fins de semana, ta arriando nossas baterias, chego em casa morto, deito e durmo, mas me reviro a noite toda.
No trabalho estamos no piloto automático, fazendo o que tem que fazer, com a mesma eficiência, mas a cabeça já ta viajando.

De manhã enquanto meu corpo dirigia a fiorino pra alguma costureira, refletia no tal trecho, involuntariamente como um soluço, seguido de algumas longas pausas e trocadas de marcha, eu dizia alto com os vidros fechados: - medo.
Pensava em tudo que passei pra chegar a uma semana da viagem, o sacrifício pra juntar dinheiro, as criticas duras, as caras de indignação e soluçava: - medo.
Enfrentamos o mundo, discussões com os pais, namorada, patrão, isso era hora pra sentir: - medo?
Estamos com medo do desconhecido, não tivemos essa idéia de viajar em um minuto e numa semana vamos partir, não, partiremos com muita experiência dentro dos alforjes. Já ta feito. O difícil é partir e ta perto, falta pouco.O Paulo ligou, comprou os alforjes e falou que não precisa mudar roteiro nenhum, “vambora”. E num estalo, já que tava pagando de louco falando sozinho, pelo menos devia falar alguma coisa positiva. Liguei o rádio e agora suspirava. – Coragem...Coragem...